a profundidade só nasce no caos 🎭kabookverso #005
Por que personagens moralmente cinzentos são tão fascinantes?
Quando finalmente iniciei a escrita do 15º capítulo do Filhotinho, que revela um núcleo novo na história pela primeira vez, foi onde, em alguns casos, meus personagens começaram a mostrar profundamente suas intenções, com personalidades difíceis e até certas decisões questionáveis.
Tudo isso porque, se eu quisesse encher o livro com personagens cheios de carisma, com escolhas e comportamentos impecáveis e sempre corretos, sem nunca errar, eu teria criado uma história plana, previsível, onde nada de verdade estaria em jogo.
Mas a verdade é que são os personagens cheios de falhas, contradições e escolhas duvidosas que nos prendem. Eles erram, mentem, justificam suas próprias ações de formas moralmente questionáveis. E, mesmo assim, continuamos virando as páginas, fascinados.
Personagens moralmente cinzentos são o coração de muitas das melhores histórias. Porque, no fundo, eles não são apenas bons ou maus. Eles são humanos. Eles nos fazem questionar não só a trama, mas a nós mesmos: até onde vai nossa empatia? O que diferencia uma falha justificável de um erro imperdoável?
Entre o certo e o errado, existe um território caótico. E é ali que as histórias mais inesquecíveis nascem. Porque, sejamos sinceros, o que nos prende a uma trama não é um protagonista impecável, sempre altruísta, que nunca comete erros.
A maioria dos meus personagens comete crimes e infringe a lei. E, de certa forma, sei que isso vai fazer os leitores duvidarem de suas índoles e motivações. Mas não é justamente isso que torna a história interessante? Que nos coloca em conflito com nossas próprias crenças?
A gente acaba caindo nessa zona perigosa (e irresistível) onde personagens que fazem escolhas questionáveis ainda seguem fazendo algo que, de alguma forma, é certo. Afinal, tudo isso nos obriga a continuar acompanhando suas jornadas até que chegue a hora em que finalmente entendemos suas motivações.
E é aí que começamos a perceber que a linha entre heróis e vilões não é tão clara assim.
🔍 Entre o bem e o mal
Recentemente, fiz um vídeo (um dos muitos em que já defendi personagens polêmicos) em defesa de uma das minhas protagonistas femininas favoritas. E, embora ela não seja minha TOP 01, percebi que, com o tempo – e talvez porque finalmente os 30 anos tenham me trazido um conjunto de upgrades excelentes –, minha perspectiva sobre personagens mudou muito.
O que antes me fazia torcer o nariz agora me fascina: histórias que exploram a humanidade em toda sua complexidade. Porque, no fim das contas, eu leio para tornar a minha jornada mais rica, com uma visão de mundo mais diversa e fora da minha pequena realidade.

Particularmente, desde que comecei a me aprofundar na escrita nos últimos anos, personagens previsíveis começaram a me entediar. E não porque são heróis perfeitos. Vilões puramente malignos, sem nuances e motivações profundas, que só fazem o mal porque acordaram um dia decididos a infringir o Código de Direitos Humanos, também não me atiçam em nada e acabam se tornando totalmente esquecíveis.
Quando decidi, e tomei a coragem, de criar em minha história um vilão, fiquei morrendo de medo. Particularmente, minha insegurança e a síndrome do impostor me dominaram de todas as formas possíveis. Eu me negava a construir uma pessoa ruim que faria coisas terríveis, porque eu enxergava o vilanismo de maneira muito simplória.
No fim, quanto mais eu estudava a criação e o desenvolvimento de personagens, mais fácil se tornava. Ou, ao menos, comecei a me fascinar pela ideia de criar uma figura que não deveria caber apenas na caixinha da maldade.
Eu quero que meus leitores se sintam enganados, traídos por ele, da mesma forma que meus mocinhos também serão. E conforme eu investigava o passado dos meus antagonistas, mais eu firmava minha certeza de que, mesmo que vilões estejam sempre do lado errado da narrativa, ainda assim são seres humanos e, como todos, ganharão o benefício da dúvida. Eles podem, sim, acabar fazendo algo que nos obrigue a reconsiderar.
É por isso que personagens como Evelyn Hugo, de Os Sete Maridos de Evelyn Hugo, Kaz Brekker, de Six of Crows, ou Nestha Archeron, de Corte de Espinhos e Rosas, continuam ecoando na mente dos leitores muito depois da última página. Eles não pedem desculpas. Não seguem regras pré-estabelecidas. Mas carregam uma verdade tão crua e autêntica que é impossível ignorá-los.
E é justamente essa verdade que nos prende. Porque, no fim, não basta um personagem ser apenas "cinzento" para ser interessante. Existe uma linha sutil entre ser um personagem complexo e simplesmente um personagem que faz o que quer sem propósito.
É aí que entra a pergunta que realmente diferencia os personagens memoráveis dos esquecíveis: por que eles fazem o que fazem?
🎭 A linha tênue entre complexidade e redenção
Nem todo personagem moralmente cinzento funciona bem. Alguns são apenas um rascunho de rebeldia, sem um propósito real além de chocar. Mas os que realmente nos marcam são aqueles que têm algo em jogo.
O que separa um personagem moralmente cinzento memorável de um que simplesmente soa forçado? Para mim, a resposta está em três pilares fundamentais:
Motivações fortes: por que eles fazem o que fazem? Um personagem não pode tomar decisões controversas apenas por conveniência do enredo. Suas ações precisam ter raízes, seja em um trauma, uma crença profunda ou uma necessidade urgente de sobrevivência.
Aqui, o Kaz Brekker, de Six of Crows, encaixa direitinho! Ele não é cruel "porque sim". Cada ato dele é movido por uma dor do passado, um desejo de vingança e uma estratégia que ele acredita ser sua única chance de sobreviver. Sem isso, ele seria apenas mais um criminoso genérico.
Consequências reais: a moralidade deles impacta o mundo ao redor? A pior coisa que um autor pode fazer é criar um personagem que age sem limites, mas nunca enfrenta consequências. Um bom personagem moralmente cinzento não existe no vácuo. Suas escolhas reverberam nos outros personagens e no próprio enredo.
Evelyn Hugo de Os Sete Maridos de Evelyn Hugo, por exemplo é um retrato real de como cada decisão dela constrói um império, mas também destrói relações, deixa marcas e gera arrependimentos. Suas falhas não passam despercebidas e fazem o leitor se perguntar: teria valido a pena?
Redenção? Nem sempre. Alguns personagens têm arcos de redenção lindos. Outros, simplesmente seguem sendo quem são e é exatamente isso que os torna inesquecíveis. Nem todo personagem precisa “aprender uma lição” no final. Às vezes, suas falhas são sua marca.
E é por isso que adoro, de verdade, o que Sarah J. Mass fez com Nestha Archeron em Corte de Espinhos e Rosas. Sua raiva e autossabotagem a fazem machucar quem ama, mas seu arco não se trata de ser perdoada e sim de encontrar um jeito de lidar com suas dores sem se destruir no processo.
Quando comecei a desenvolver meus personagens lá trás, em 2018, percebi que não bastava simplesmente dar a eles falhas ou traumas. Na época, eu já sabia que precisava fazer com que suas escolhas tivessem peso real. Nenhum deles se encaixa facilmente no molde de herói ou vilão. E lembro que quando li Vilão, da V.E. Schwab, em 2019, a química do meu cérebro mudou.
Amo protagonistas que oscilam entre uma vida repleta de segredos, enquanto carrega um desejo violento alimentado por algo antigo. Isso torna personagens perturbadores, e que trazem caos para a narrativa, uma presença magnética e inevitável em cena. Eles nunca apenas reagem ao mundo ao redor. Eles o moldam, seja destruindo ou reconstruindo tudo o que encontram no caminho.
Minhas mocinhas, mesmo sendo heroínas, acabam questionando um sistema, com atitudes e escolhas impulsivas, mas sempre movidas por algo maior. E claro, nem sempre sabendo exatamente o porquê. As vezes, seu personagem vai descobrir suas motivações no processo também. O que mais me fascina em ambos é que, em diferentes momentos da história, eles podem ser vistos como certos ou errados. Tudo depende de quem está lendo.
E no fim, é disso que se trata um personagem moralmente cinzento bem construído: alguém que faz a gente pensar, duvidar e sentir tudo ao mesmo tempo. A moral da história? O que nos prende a um personagem não é o que ele faz, mas por quê. Um personagem cinzento bem escrito não existe para ser cool ou chocante. Ele foi feito e existe para nos desafiar.
E talvez, no fundo, seja por isso que o amamos.
🙏 A que céu estamos?
Venho com um alívio extremo compartilhar com vocês que… Março começou com tudo! Consegui encontrar equilíbrio, e agora eu leio, produzo e escrevo em turnos diferentes, e isso foi um alívio tão grande. Acho que todo escritor brasileiro que ainda está na luta pra se estabilizar nessa carreira (se é que isso é possível) precisa encontrar uma forma de levar a escrita enquanto tem um trabalho principal durante o dia, né?
A minha sorte é que meu trabalho também é com livros, e tem semanas no mês que trabalho mais, e em outras semanas que me permito me organizar pra trabalhar bem pouco.
Na primeira semana de março eu tinha me organizado para praticamente não precisar trabalhar. Meu objetivo: pegar no ritmo de escrita antes que março avançasse muito. Meu objetivo agora é usar março como um mês que me recompense de verdade, pelas falhas e pendências deixadas em fevereiro.
Mas graças aos céus, eu avancei!
Até o momento foram quase 10 mil palavras do dia 01 ao dia 15 de março. Para alguém que havia escrito apenas quatro dias de fevereiro? Fantástico. A meta de fechar Março com 60 mil palavras está mais perto do que nunca.
Mas caramba… ainda estou vivendo a tentação da revisão, gente. Socorro! Nos dias 04 e 05 de Março me desesperei em como as horas iam passando e eu produzia pequenas frases. Tinha alguma coisa no meu método que, com certeza, estava me travando. E acabei descobrindo que eu estava no Método Editora. Escrevia editando, relendo trechos, revisando, reconstruindo. Levou dias para eu entender que na fase do livro em que estou isso não pode acontecer, né?
Ainda estou encarando esse problema: As vezes não faço, as vezes, no meio do sprint, me vejo caindo na revisão, sem querer… Ainda estou trabalhando isso, mas já muito feliz porque temos uma evolução muito bonita acontecendo no processo do filhotinho!
Olha como a quantidade de palavras tem avançado. Agora que faço sprints de leitura, com fluxo de consciência, realmente… as coisas andaram muito!
🚨 Zona de Spoiler: O filhotinho
Se algo nessa edição me ensinou foi que personagens moralmente cinzentos não apenas tornam a história mais rica. Eles desafiam a própria autora no processo.
Enquanto escrevo o Filhotinho, percebo cada vez mais que não basta criar personagens que façam escolhas questionáveis, é preciso que elas tenham peso real. E no capítulo 6, vivemos essa linha entre certo e errado, que começa a se borrar de vez.
E o que mais me fascina nisso? Mesmo sabendo de tudo que eles fizeram (ou ainda vão fazer), eu sei que alguns leitores vão defendê-los até o fim. Outros, vão querer jogar o livro longe. Mas no fundo, é exatamente isso que eu quero. Quero que cada escolha deles incomode, faça pensar e, talvez, obrigue o leitor a se perguntar: e se eu estivesse no lugar deles?
Afinal, ninguém sobrevive a essa história sem carregar algumas cicatrizes.
Então segue spoiler do meu rascunho!!
Sua voz foi apenas um sussurro no vento cortante quando pronunciou aquela coisa irreversível. ”
Fulano” a soltou, e ela quase caiu. As lágrimas fizeram força para descer, mas o sangue correu frio pelo braço dormente e a dor a obrigou a permanecer firme. ”Fulano” estava completamente inabalável. Exceto pelos seus olhos. Dois poços inflamados e castanhos, que sempre refletiram uma alma resoluta, desapareceram diante dela. E no lugar, fúria repulsiva numa superfície gélida despontou.
— Então faça o que quiser com a porra da sua vida. — ele murmurou.Karine Leôncio, Filhotinho, capítulo 6
Lembrando que se trata apenas de uma primeira versão (ou seja, a cena pode mudar no futuro!) e que sempre censuro nomes de personagens ou lugares!
Eu AMO, AMO, AMO essa cena. Ela é um divisor de águas entre dois personagens que antes eram inseparáveis, mas que agora encaram o peso de algo impossível de voltar atrás. O que aconteceu veio à tona, e, com ele, uma ruptura irreparável entre os dois.
No capítulo 6, Karine?
Sim. Eu nunca prometi um livro tranquilo.
📚 Indicação da Edição
Chegou o momento da minha indicação literária dessa edição – e trouxe um livro que está dividindo muitas opiniões! Estou falando de No Fundo é Amor, da Ali Hazelwood.
💬 A sinopse oficial deixa muito pouco sobre o que se trata esse livro, então aí vai:
“No Fundo é Amor” conta a história de Scarlett Vandermeer, uma estudante de Pré-Med e atleta de Saltos Ornamentais brilhante, que tem vivido um trauma desde sua última competição, onde uma lesão acaba afastando-a do trampolim, e por consequência, das rodas de amizades e da vida agitada.
Scarlet acaba descobrindo que a colega do time de Salto, Penélope, terminou o namoro de anos com Lukas Blomqvist. O motivo é um segredo que Penélope só contou pra Scarlet: Lucas é Dominador (BDSM) e, mesmo Lucas querendo seguir o relacionamento de maneira tradicional, Penélope quer deixá-lo livre.
Na superfície, Lukas e Scarlett não têm nada em comum. Até que em uma festa, quando Penélope está bêbada, tudo muda.
Então eles fazem um acordo: ter um casinho temporário, com detalhes pré-definidos, que satisfaça as necessidades de ambos e alivie um pouco o estresse pré-Olimpíadas. No entanto, quando se torna cada vez mais difícil ficar longe de Lukas, Scarlett percebe que seu coração talvez esteja adentrando águas perigosas.
Por que o livro tem causado tanta divisão?
✔️ Scarlet e Penélope são colegas de time e Lucas namorou Penélope por anos.
✔️ Alguns leitores amam a dinâmica, mas se incomodam com o fato de Lucas e Scarlet serem “fetichistas”.
✔️ A temática de BDSM é abordada com leveza, sem toda aquela tensão que costuma ser construída nos romances eróticos.
Mas é exatamente aí que está o ponto: livros que dividem opiniões são perfeitos para você ler e decidir de que lado fica! Ali Hazelwood não entrega personagens perfeitos, mas humanos, com escolhas questionáveis e questões bem atuais.
Se você gosta de:
Romance com pitadas divertidas e sarcásticas
Protagonistas com traumas e que precisa de muita sessão de terapia
Narrativas leves, mas com um toque profundo sobre relacionamentos
… então, dê uma chance para No Fundo é Amor.
E aí, já leu? Está no time dos que amam ou dos que têm algumas ressalvas?
Me conta nos comentários! 💬✨
Se tem algo que essa edição me ensinou, é que criar personagens moralmente cinzentos significa abraçar o caos das suas jornadas. Eles escolhem caminhos questionáveis, revelam segredos desconfortáveis e desafiam constantemente nossa ideia do que é certo ou errado.
Essa zona cinzenta, essa ambiguidade que incomoda e fascina, é o que realmente faz com que essas histórias sejam inesquecíveis. Tanto para quem lê quanto para quem escreve.
Talvez essa seja a beleza da escrita: abraçar o caos que cada personagem traz consigo e descobrir, página após página, o que ponto eles iriam, enquanto tentam apenas sobreviver às próprias histórias.
Enquanto isso, eu continuo por aqui, levando uma surra dos meus protagonistas.
Obrigada por me acompanharem nessa jornada!
Nos vemos na edição #006, que sairá dia 8 de Abril!! ✨
Sinceramente? Amo vilões,eles mostram um lado obscuro fascinante de certa forma. Muitas histórias de mocinho perde a humanidade ao ponto de enxergar aquele personagem perfeito.
Enquanto o vilão vc não espera perfeição dele, porque vc já sabe quão falho ele é.
Essa parte do vilão que me fascina a verdade crua e autêntica que admiro tanto.
E amoo esses ensinamentos que vc transmite, pq eu sou escritora também e gosto demais de ver que me identifico com oq vc diz.
Uma coisa que aprendi com a ansiedade é organizar meu dia para trabalhar e escrever. Não é fácil, pq no fim do dia a gente está exausto. Mas desde que comecei a reservar, mesmo que fosse 30 min do meu tempo, para escrever, meu manuscrito começou a andar. Tem pouco mais de um ano que estou trabalhando nele. Para quem escrevia livros em no máximo três meses, isso pode parecer um pouco assustador. Mas com o tempo, passei a respeitar meu tempo, minha inspiração e até meu cansaço. Aprendi que escrever não é só digitar, mas pesquisar, planejar, pensar sobre a história. E assim vamos seguindo. Adorei o post e seu contador de palavras. Faço a minha contagem como os maias, usando papel e caneta por falta de uma ferramenta digital. Mas vamos que vamos. Bjs