O livro nunca mais será só um livro 🔍 kabookverso #003
O fim da separação entre obra e autor
De todos os medos que tenho tentado superar sobre debutar na carreira como autora de romances para o público jovem adulto, ainda me assombro com o maior de todos: o medo de não ser apenas lida, mas, principalmente, observada.
Escrever sempre foi um processo íntimo, de uma liberdade psicológica intensa, onde coloco para fora todos os traços mais profundos da minha própria existência. Hoje percebo que, no momento em que eu for lida pela primeira vez, haverá uma revolução pessoal, um evento que vai mudar tudo na minha existência.
Por mais de uma década minha escrita se perpetuou como um desejo camuflado no silêncio e na solidão, o que, devo admitir, é uma zona de conforto deliciosa, mas que não pode durar para sempre. Afinal, tudo parece um oásis até que se torne uma prisão.
🏡 O sonho de viver na caverna acabou
Houve um tempo em que ser escritor significava viver numa “caverna”. Autores se refugiavam em suas casas de campo ou numa cabana no alto de uma montanha, rodeados de máquinas de escrever e pilhas de cadernos. O máximo de exposição pública vinha de uma dedicatória na entrada do livro, das informações na orelha e de entrevistas dadas a jornais. A figura do autor era um verdadeiro mistério.
Mas o mundo mudou. Eu resolvi nascer somente em 1992 e lançar minha primeira obra em 2025, o que me torna parte de uma geração de escritores que não possui mais uma única parede em pé ao seu redor. As redes sociais transformaram a carreira dos autores em um espetáculo glamouroso. A internet acabou com a distância entre o autor e o leitor, e seu processo criativo, que antes era uma vivência isolada, agora brilha sob os holofotes, com vlogs e conteúdos de escrita criativa.
Eu não tenho minha casa na montanha. Atualmente moro num apartamento na selva de pedra que é Balneário Camboriú, e mesmo que eu adquira um imóvel no meio do mato (o que eu farei nos próximos 5 anos), eu ainda viverei completamente exposta. Não dá mais para fugir do mundo em que vivemos.
🎥 Nasce uma autora
Eu finalmente lancei meu primeiro episódio de Nasce uma Autora no YouTube, e quando comecei a gravar os takes no 1º dia de 2025, percebi que, se esse seria de fato o ano do lançamento do Filhotinho e o ano em que eu focaria mais na escrita, então tudo ao meu redor precisaria mudar para se adaptar a essa nova rotina.
Minha escrita tem se tornado uma protagonista no meu dia, e por consequência, na minha criação de conteúdo (embora não fosse essa a minha pretensão, de verdade). Acabei me vendo em um cenário onde meu livro tem sido admirado por seu processo, antes mesmo de vir ao mundo, o que é assustador! Mas as mensagens que recebo são lindas e motivadoras, e sou imensamente grata por tudo isso. Nunca me imaginei capaz de tornar esse um processo compartilhado, em que leitores presenciariam meus surtos criativos, os cafés que esfriam na mesa e os dilemas a cada capítulo.
❓ Mas quem merece ser lido?
Com o Nasce uma Autora, venho percebendo como os leitores se tornaram parte essencial do processo criativo de muitos escritores. Afinal, eles não querem apenas acompanhar o passo a passo da finalização de um manuscrito — querem conhecer também quem está por trás das palavras. A figura do autor deixou de ser apenas uma assinatura na capa e passou a ser, por si só, um objeto de admiração e análise.
E é exatamente aí que mora meu medo.
O que significa ser escritor em 2025, quando a literatura não acontece apenas dentro das páginas? Como será esse novo tipo de julgamento, onde não sou mais apenas leitora, mas passo a ocupar um lugar que carrega uma nova pergunta: será que essa pessoa merece ser lida por mim?
Se antes os autores podiam se refugiar sem precisar revelar mais do que suas histórias, agora o leitor quer mais do que um livro — ele quer um autor presente, acessível e, acima de tudo, alinhado às suas expectativas.
🔍 O desafio da proximidade
Como leitora e book influencer, já experimentei todo tipo de experiência ruim dentro da nossa bolha. Desde julgamentos preconceituosos com meu gosto literário e até má interpretação dos conteúdos que criei.
Se como criadora de conteúdo, senti o peso do julgamento, como autora, eu me pergunto: o que significa ter seus princípios discutidos publicamente?
Ok! A barreira entre autor e leitor desapareceu, o público leitor não lê só sua história, como também quem a escreveu. Mas aqui chegamos a uma grande questão que é o cerne desta edição: se o autor não é mais somente o seu livro, mas sim um conjunto de todas suas interações, porque esses debates que insistem em separar a obra do autor ainda persistem?
💥 Será que é realmente possível separar o autor de sua obra, em pleno 2025?
Quando Colleen Hoover desativou seu instagram, há mais ou menos 20 dias, por conta das polêmicas envolvendo Blake Lively e Justin Baldoni, comecei a refletir sobre essa dinâmica. Era a primeira vez que uma autora best-seller da nova geração desativava seu perfil nas redes sociais. Para mim, soou como um sinal claro de que, hoje, o peso dessa exposição pode se tornar insustentável para alguns autores em certos momentos.
Já a Victoria Aveyard, por outro lado, representa para mim o extremo oposto de Colleen Hoover. Ela se tornou a autora que passei a admirar pelos seus conteúdos nas redes. Mesmo não tendo curtido Destruidor de Mundos, sigo acompanhado a carreira dela porque admiro sua postura como profissional. Ela criou uma conexão real com seu público, abordando temas importantes, como direitos autorais, política e inteligência artificial de maneira genuína e muito sensata.
Então o leitor precisa, em 2025, obrigatoriamente considerar o autor que escreveu a obra que ele está consumindo?
A verdade é que, gostemos ou não, o autor se tornou uma marca. E marcas têm valores, ideologias e comportamentos que influenciam diretamente a percepção do público. Em 2025, um livro não é apenas um livro. Ele carrega consigo a assinatura de quem o escreveu e, inevitavelmente, as crenças e posicionamentos dessa pessoa.
E é justamente por isso que a separação entre autor e obra se tornou um questionamento tão volátil. Porque, na real, a separação entre autor e obra nunca foi uma regra fixa — e me pareceu, desde sempre, uma escolha conveniente.
📰 O caso Neil Gaiman
Ler o artigo sobre as acusações de abuso sexual contra Neil Gaiman foram as quase duas horas mais terríveis de 2025, como leitora e escritora, até agora para mim. Era como se todas as questões que eu já vinha refletindo estivessem ali, expostas sem filtro, me encarando de volta.
De repente, um dos escritores mais influentes da literatura contemporânea se revela um tipo de monstro muito pior do que em suas histórias. Afinal, ele é real. E o que mais me assustou foi a reação do público. Porque ali, diante de todas as discussões, vi leitores divididos entre três posturas completamente diferentes:
Os que defendiam que suas obras precisavam ser esquecidas, que não deveriam mais ocupar espaço na estante de ninguém.
Os que tentavam justificar a separação entre autor e obra, argumentando que sua vida pessoal não deveria invalidar suas histórias.
Os que se recusavam a falar sobre o assunto, como se ignorá-lo fosse o suficiente para não precisar tomar uma posição.
Todos esses debates me fizeram perceber que a separação entre autor e obra tem sido usada, por parte dos leitores, como uma arma. Como se essa separação ainda pudesse ser manipulada para proteger uns e condenar outros. Ela surge e desaparece conforme a conveniência de quem consome, criando a ilusão de um julgamento moralmente correto. E isso desgasta quem realmente tenta fazer a diferença na comunidade, quem se esforça para confrontar certas narrativas incoerentes e manter o espaço literário mais consciente e responsável.
E é exatamente aí que quero chegar: nós, como leitores, temos uma grande responsabilidade!
📖 A responsabilidade do leitor
A leitura nunca foi um ato passivo. Cada página exige interpretação, reflexão e, muitas vezes, desconforto. O leitor de 2025 tem o poder de amplificar vozes, de questionar narrativas e de cobrar coerência, mas também precisa entender que um livro não é uma linha reta de concordância absoluta. Ele pode — e deve — discordar, refletir e até mesmo mudar de ideia. O problema surge quando a expectativa de perfeição se torna uma regra silenciosa, sufocando tanto autores quanto leitores no medo de errar.
Um autor não pode mais se esconder atrás da própria obra e achar que suas palavras são independentes. Mas o leitor também não pode usá-la como um escudo para evitar as complexidades de quem a escreveu. Em um mundo onde a literatura e as redes sociais se entrelaçam e todas as barreiras entre Leitor/Autor, Autor/Obra não existem mais, talvez o maior desafio seja justamente encontrar o equilíbrio entre a transparência e a interpretação responsável.
Porque, no fim das contas, o que permanece — além dos debates e das polêmicas — são as histórias. E histórias são feitas para durar, não para serem consumidas e descartadas no instante seguinte.
Se ler é um ato de empatia, então buscar conhecer quem escreve e o que essa pessoa representa também faz parte do processo. E essa talvez seja a pergunta que mais importa no fim dessa edição.
Você está pronto para ler além das páginas?
📚 Indicação da Edição
Em fevereiro debutei as leituras de fantasia do ano! E a recomendação da vez é a leitura de Céus Misteriosos, o segundo volume da série Deuses Afogados, de Pascale Lacelle.
🌊 O que esperar da leitura?
A série se passa em um mundo onde a magia é regida pelas marés e pelas fases da lua, e os personagens enfrentam segredos sombrios, rituais ancestrais e o chamado de forças que desafiam o destino.
No primeiro livro, Magia das Marés, somos apresentados à Academia Aldryn e aos segredos da Casa Eclipse. Emory Ainsleif, uma jovem que sobrevive a um desastre misterioso, se vê no centro de um enigma mágico ligado a uma ordem secreta e a uma magia proibida.
Já no segundo volume, Céus Misteriosos, os limites entre os mundos começam a se desfazer. E, quando o impossível acontece, tudo que você achava que sabia sobre a magia e seus limites precisa ser esquecido.
Se você curte histórias com:
✔ Magia intricada e bem desenvolvida
✔ Escolas mágicas e sociedades secretas
✔ Protagonistas lidando com poderes proibidos
✔ Mistérios antigos e mitologias inéditas
Então Deuses Afogados definitivamente é pra você!
🌊 Ainda não temos o livro no Brasil, mas ele chega ainda em fevereiro!
🚨 Zona de Spoiler: o filhotinho
E vamos para mais um trecho do Filhotinho. E se você caiu de paraquedas nessa News e não conhece esse quadro, é o momento em que trago uma pequena mostra do meu manuscrito, que tem altas chances de ser lançado ainda esse ano (eu ouvi um amém?)
“[..] ela se via enclausurada naquela esfera, uma luz branca que cortava aquela escuridão densa nas entranhas do oceano enquanto seu coração parava. Imaginava-se morrendo, o oxigênio se esgotando pouco a pouco, sua carne apodrecendo à vista de monstros marinhos, humanos ou não, e naquela vastidão esquecida, sua alma permanentemente presa, se dissolvendo no escuro, sem qualquer chance de chegar à superfície.”
Karine Leôncio (filhotinho, 1ª versão, capítulo 2)
O que acharam desse trecho? Lembrando que se trata apenas de uma primeira versão e que sempre tirarei nomes de personagens ou lugares!
Essa semana eu reli o capítulo 2 e resolvi trazer esse trecho para vocês. Minha protagonista tem claustrofobia, e a sensação de sufocamento é algo que a acompanha o tempo inteiro. Então já fica aqui o alerta, pois o livro terá cenas de crises claustrofóbicas, viu?
🙏 A que céu estamos
(ou o momento em que atualizo o andamento da escrita)
Venho vergonhosamente anunciar que não escrevi nada entre os dias 02 e 14 de fevereiro! Gente esse mês me engoliu, o aniversário da minha irmã veio e quando eu vi, o mês já estava na metade. Talvez seja porque eu devorei 2 livros de fantasia incríveis nesse tempo e já comecei um terceiro que estou completamente ansiosa para terminar? TALVEZ. Mas a verdade é que nem foi por conta das leituras. Acho que foi porque o trabalho em si me consumiu, e quando eu sentei para escrever, não saía quase nada.
Mas não posso deixar de comemorar que a meta de janeiro foi batida e eu terminei o mês com os capítulos 11 e 12 feitos e finalizados! Estamos em quase 37 mil palavras e agora eu comemoro as pequenas conquistas, por menor que elas sejam!
Eu sabia que essas semanas de “apagão” (é o nome que estou dando agora, gostaram?) viria. Mas agora já retomei o ritmo e no próximo episódio do Nasce uma Autora (que virá no fim de março) vou compartilhar com vocês tudo o que aconteceu.
Agora se você chegou até aqui, muito muito obrigada por ler e acompanhar essa edição! Se tem algo que esse texto me fez refletir, é que não há mais caminho de volta. O livro nunca mais será só um livro. Ele sempre carregará quem o escreveu. E eu estou aprendendo a carregar isso comigo também.
Até a próxima, e que possamos sempre ler além das páginas.
Vejo vocês na edição #004, dia 04 de Março!
Karine as suas palavras sempre geram em mim pertencimento. Eu as vezes me vejo em seu lugar. Quando você diz que gostaria de se contar menos, é nesse momento em que minha mente grita : EU TAMBÉM! As vezes sinto a minha mente cansada, por estabelecer metas demais para mim e quando não as cumpro me sinto uma impostora e preguiçosa.
Ler os trechinhos do seu livro, me deixa ainda mais ansiosa para conhecer esses personagens, sinto que de alguma forma, irei me conectar com eles de maneira profunda. Porque percebo ao longo de todos esses dias que venho te acompanhando com cada vez mais afinco que você não está trabalhando apenas em seu livro e na história que ele quer transmitir, mas também em você como indivíduo e na sua história. Perceber que o livro em si não pode e não deve se separar do autor é algo muito responsável para mim, pois uma história não se constrói sozinha.
Adorei ler mais uma News sua! Que maravilhosa a sua partilha conosco ❤️
talvez o maior desafio seja justamente encontrar o equilíbrio entre a transparência e a interpretação responsável.
Porque, no fim das contas, o que permanece — além dos debates e das polêmicas — são as histórias. E histórias são feitas para durar, não para serem consumidas e descartadas no instante seguinte.
OBRIGADO KAH, É ISSO SABE.
Como até comentei no insta, não acho que existe um martelo definitivo nessa questão.
Realmente as barreiras entre autor e leitor não existem mais, contudo o equilíbrio eya chave.
O leitor é, pra mim, 50% da equação na existência da literatura. Um livro "não existe" sem ninguém pra ler e interpretar ele... E interpretações são fluidas, mesmo quando um autor insista em te convencer de um ponto a sua vida pode te mostrar outro que ele não tem visão.